O banimento do Third Party Ownership (“TPO”) no futebol mundial.

A FIFA, por meio da Circular n. 1464, inseriu no Regulation on The Status and Transfer of Players (“RSTP”) de 2015 o artigo 18 Ter[1], vedando, a partir de 01 de maio de 2015, a participação de terceiros nos ditos direitos econômicos dos atletas de futebol. Corroborando com isso, em 13 de janeiro de 2015, a CBF publicou, sem nunca ter consultado aos clubes, o Regulamento Nacional de Registro e Transferência de Atletas de Futebol (“RCBF”) adotando, de forma tupiniquim no artigo 66 de suas Disposições Transitórias, as prescrições do artigo 18 Ter do RSTP, vendando a participação do TPO no resultado da transferência onerosa dos atletas.

Tal novel regra, pelo imediatismo com que fora imposta aos clubes, trouxe ao futebol um cenário de incertezas, limitando substancialmente a movimentação econômica do mercado da bola, principalmente em se tratando de América do Sul.

Como TPO, se entende, na forma do item 14[2] da parte de definições do RSTP, toda e qualquer parte que não sejam os dois clubes que efetuam a transferência, à exceção dos outros clubes em que o atleta tenha sido registrado anteriormente[3].

Depreende-se, então, do artigo 18 ter do RSTP e do artigo 66 das Disposições Transitórias do RCBF, basicamente que:

(i) Nenhum clube fará qualquer tipo de acordo em que um terceiro seja partícipe na indenização recebida em razão de transferência de um jogador para outro clube;
(ii) Contratos de participação assinados até 31 de dezembro de 2014 serão válidos pelo tempo pactuado;
(iii) Contratos de participação assinados entre 01 de janeiro de 2015 e 30 de abril de 2015 somente serão válidos por um ano;
(iv) Até o fim de abril de 2015, todos os contratos de participação devem ser inseridos no TMS, inclusive eventuais anexos existentes;
(v) Após 01 de maio de 2015, os contratos de participação estarão extintos, podendo os clubes que eventualmente não obedecerem os ditames do RSTP serem sancionados pelo Comitê de Disciplina da FIFA.

Da forma como proposto pela FIFA os clubes que utilizavam da venda de percentuais econômicos de seus atletas para investidores, estão por ora engessados. A perda do poder econômicos desses clubes é evidente, haja vista que a comercialização de parte de um jogador poderia salvar as finanças mensais de uma agremiação em crise.

E o que efetivamente acarreta a perda desse poder econômicos dos clubes? De forma clara, a curto prazo acarreta na perda de poder técnico e de uma equipe competitiva; e a médio prazo, faz com que os clubes europeus possam comprar jogadores da América do Sul por valor muito inferior àquele que vinham usualmente comprando, considerando que os clubes estarão endividados.

Outra questão relevante é a concomitância com que o TPO é banido e surge a implementação em nível nacional do Fair Play Financeiro, tanto no RCBF em seu artigo 66-A, quanto na Medida Provisória 671 - PROFUT. O governo brasileiro parece não se dar conta que tudo são interesses econômicos da FIFA, da UEFA e dos grandes países europeus para a aquisição dessas commodities ou matérias primas que são os jogadores brasileiros, quase que de graça.

Importante que se observe que todas as questões relativas aos direitos econômicos poderiam ser regulamentadas e tratadas com mais clareza, por óbvio. Um recente estudo do advogado espanhol Alfredo Garzón denominado La Circular 1464 y el Derecho Comunitario y de la Competencia[4], aponta o que poderia ser implementado pela FIFA com o intuito de melhor administrar os direitos econômicos:

(i) A limitação do percentual dos direitos econômicos dos terceiros;
(ii) A proibição da existência de direitos econômicos em menores e/ou amadores;
(iii) A limitação do número de jogadores de um mesmo clube em que um terceiro tenha direitos econômicos;
(iv) O registro e a publicização dessas informações no Transfer Matching System (“TMS”) da FIFA;
(v) Existência de cláusulas de saída que permitam ao terceiro ou ao clube em desfazer o negócio, transformando àqueles direitos econômicos em uma forma de indenização.

Todas as ideias são simples e facilmente implementáveis, bastando um pouco de bom senso dos órgãos reguladores. E mais, se poderia, assim como fora utilizado na inserção do Fair Play Financeiro na Europa que determinou a redução das dívidas de tempo em tempo, dar um prazo mais largo aos filiados, como inicialmente ao que parece era a ideia, ou seja, quatro janelas de transferência para a adaptação dos clubes.

É evidente que as incertezas são muitas. Informações surgem de tudo que é parte do mundo de que alterações podem acontecer, mas nenhuma delas efetivamente concreta. Os investidores recuaram e a os clubes consequentemente também. O resultado? Os clubes pequenos e médios que utilizavam do TPO para concorrer com os grandes, deixarão de concorrer, causando uma clara sectarização do mercado. Os clubes da América do Sul deixarão de concorrer com clubes da Europa, da América Central e da Ásia, além de que esses, em um cenário bem breve, comprarão jogadores por valor infinitamente inferior àquele que vinham comprando, estabelecendo, por vezes, novamente a relação colonizador/colonizado.

[1] 1. No club or player shall enter into an agreement with a third party whereby a third party is being entitled to participate, either in full or in part, in compensation payable in relation to the future transfer of a player from one club to another, or is being assigned any rights in relation to a future transfer or transfer compensation.

(…)

[2] Third party: a party other than the two clubs transferring a player from one to the other, or any previous club, with which the player has been registered. Reference is also made to the Definitions section in the FIFA Statutes. NB: Terms referring to natural persons are applicable to both genders. Any term in the singular applies to the plural and vice-versa.

[3] Existe enorme controvérsia na interpretação desta parte do RSTP para definir se os demais clubes aos quais o atleta teve vínculo federativo são ou não TPO. Inúmeras correntes nacionais entendem que sim, enquanto a maioria dos estudiosos europeus tendem para o lado negativo.

[4] http://www.sennferrero.com/attachments/article/192/Circular-1464-env.pdf